RECORD– Foi fácil deixar a FPF para assumir o comando técnico do Beira-Mar?
RUI BENTO – Fácil não foi. Havia uma grande ligação, principalmente aos jogadores que tinham iniciado o processo comigo, o ano passado, nos Sub-17, que este ano é a equipa de Sub-18. Havia um trabalho, um suporte, já havia mais do que uma relação treinador-jogadores. O mais difícil para um treinador é ter a admiração e o reconhecimento dos jogadores, e olharem para nós como pessoas que estão lá para ajudar. Cada vez isso é mais difícil. Mas aconteceu porque no ano passado tivemos um trajeto de sucesso onde perdemos alguns medos. Conseguimos, ao fim de seis anos, apurar a equipa, novamente, para uma fase final do Campeonato da Europa. Perdemos alguns medos no sentido de olhar para nomes de adversários que assustam sempre. E conseguimos excelentes resultados. Penso que o trajeto do ano passado foi muito bem conseguido e isso aproximou-nos de tal maneira que desligar-me desses meninos foi extremamente difícil.
R – O que o fez tomar a decisão?
RB – Para já, foi inesperado. Eu estava a chegar a um estágio dos Sub-16 e fui confrontado com um convite, com um interesse. Respondi que, sem falarem com o presidente da federação, não iniciaria nenhum tipo de contato nem de negociação. Isso foi feito e a partir daí falámos. Eu teria que me decidir rapidamente, porque a situação assim o justificava. Depois de falar com os meus colegas da federação e com o selecionador, com o Paulo Bento, havia uma coisa que, para mim, era determinante: se eles sentissem que a minha saída estaria a interferir, de alguma forma, com o projeto que estávamos a desenvolver, ou com os objetivos que tínhamos para este ano, logicamente que teria de ficar, e ficava de bom grado. Agora, perante esta situação de treinar na 1.ª Liga, que era um dos objetivos que tinha, perante o convite que me foi feito, e pela forma como foi feito pela direção do Beira-Mar, fez com que eu aceitasse, porque, se dissesse não, se calhar ficaria sempre com dúvidas.
R – Entrar no Beira-Mar a 9 jogos do fim do campeonato, mesmo que a equipa tenha feito um percurso positivo, é sempre uma aposta arriscada. Dispôs-se a assumir este risco?
RB – É uma situação que nunca é boa para um treinador. Nós nem um terço do campeonato vamos fazer. Quando me foi feito o convite, olhei para aquilo que tinha sido o trajeto do Beira-Mar, que fez uma primeira volta realmente entusiasmante, bem conseguida. E uma segunda volta que não estava a ser tão regular – nos últimos 5 jogos antes da minha entrada o Beira-Mar tinha conseguido 2 pontos em 15, e há 4 jogos que não marcava. Os fatos eram estes e ainda havia muito campeonato.
R – Entrou a perder com o Sporting mas depois venceu o Paços de Ferreira. Cinco jogos, duas vitórias, duas derrotas e um empate é uma boa média?
RB – Se olharmos para aquilo que foi o nosso rendimento, enquanto equipa, nos jogos que fizemos temos menos pontos do que deveríamos ter. Em Alvalade podíamos ter conseguido pontos, e no jogo com a Naval também. Infelizmente não foi possível. Mas dentro daquilo que era perspetivado, aquilo que a direção me tinha pedido, penso que não estamos a fazer nada de extraordinário, mas numa fase normal.
R – O plantel sofreu movimentações, com a saída de 2 jogadores. Que grupo é que encontrou à disposição?
RB – Encontrei o plantel que existia, sem o Kanu e sem o Ronny e com situações inerentes ao próprio campeonato, como a acumulação de amarelos. Nesta fase do campeonato há muitos jogadores com 5 amarelos e portanto estávamos condicionados. De Alvalade até hoje nunca consegui ter todos os jogadores à disposição.
R – A equipa deu uma boa resposta no último jogo com o Olhanense. É esse o espírito que temos visto no Beira-Mar. Que equipa é que vamos ver no Estádio da Luz, com o Benfica?
RB – O jogo com o Olhanense teve duas metades completamente diferentes. Numa fizemos uma boa gestão, tivemos muita bola, assumimos o jogo, aos 20 minutos podíamos ter a partida praticamente resolvida, dadas as oportunidades que tivemos. Na segunda parte, as coisas foram um bocadinho diferentes. Tivemos mais dificuldade em impor esse jogo, foi mais repartido, com algum mérito mas também felicidade acabámos por fazer o golo, depois ficámos reduzidos a 10 jogadores e a partir daí foi segurar os 3 pontos. Com o Benfica vamos procurar ter uma equipa competente. Sabemos que é sempre um desafio com um grau de dificuldade elevado mas estamos a preparar-nos para fazer um bom jogo, para mostrar a competência dos nossos jogadores, que temos qualidade e podemos disputar a partida.
R – É um jogo especial para si? Estreou-se no comando técnico do Beira-Mar frente ao Sporting, clube onde foi campeão, agora vai encontrar o Benfica, onde atuou nas camadas jovens e onde começou a sua carreira como profissional...
RB – São jogos em que toda a gente gosta de participar. Enquanto jogador, estive no Benfica. Depois fui, muitas vezes, adversário do clube. A verdade é que são partidas que nos motivam. Foram vivências que tive na minha vida e que me marcaram. Estive no Benfica dos 15 aos 19 ou 20 anos, onde fiz o meu percurso, depois fui para o Boavista e fiz os últimos 3 anos da minha carreira no Sporting. Portanto guardo boas recordações, outras nem tanto porque perdemos sempre pessoas que nos marcam, mas há amizades que vão sempre connosco.
R – Houve alguma polémica com o Naval-Benfica, levantada pelo V. Setúbal, pelo facto de o Benfica não ter utilizado os seus principais jogadores. Que Benfica espera?
RB – Eu não tenho de esperar nada. Tenho de preparar a minha equipa e saber qual é o meu papel. Sou treinador do Beira-Mar. É uma gestão que os responsáveis do Benfica farão. Não posso colocar-me no lugar do treinador do Benfica e nem me atrevo a fazê-lo.
R – A equipa vai à Luz para ganhar?
RB – Vamos para fazer um bom jogo e, se tivermos capacidade e oportunidade para vencer um dos grandes no seu estádio, excelente. Seria ótimo ganhar na Luz. Isso sem dúvida.
R – O Beira-Mar tem tido boas críticas. O que se pode ainda esperar até ao final desta época?
RB – Mal dos jogadores que não tiverem objetivos pessoais. É uma condição fundamental para quem quer andar na alta competição. Os jogadores que encontrei no Beira-Mar têm grande sentido profissional, são solidários, trabalham bem, querem crescer, o que ajuda muito. Não é por acaso que o Beira-Mar tem, hoje, muitos jogadores desejados por muita gente. Em termos de motivação, o que nos cumpre fazer é criar um ambiente de trabalho para que os jogadores se sintam bem. O exercício de treino deve dar-nos o que procuramos em termos de organização defensiva e ofensiva. Tentámos introduzir ali criatividade e transmitir-lhes uma coisa que, para mim, é um verdade absoluta: o futebol vive daquilo que vamos fazer e não do que fizemos.
R – Vai formar um plantel desde a pré-época pela primeira vez. É aliciante?
RB – É verdade. No primeiro ano, em Penafiel, a equipa tinha um bom suporte. Tinha descido à 2.ª Liga, e com 2 ou 3 jogadores conseguimos fazer um bom trabalho. Fizemos uma excelente primeira volta, muito perto dos lugares de subida, tínhamos ganho, em confronto direto, a equipas como o Rio Ave, o Leixões e o V. Guimarães, e as coisas encaminhavam-se para uma segunda volta ótima. Mas de um momento para o outro, porque no futebol as coisas mudam, projetámos um jogador, o Diego Costa, cuja qualidade nos obrigou a ficar sem ele e consequentemente sem parte do poder ofensivo da equipa. Depois aconteceram lesões que nos limitaram muito. A seguir, o Boavista... toda a gente sabe como lá fui parar. Cheguei três dias antes do primeiro encontro oficial, sem hipóteses de escolher jogadores. Mas aí foi quase como cumprir um serviço de missão a um clube que me deu muito, ao qual estou bastante ligado. Ali trabalhei com espírito de missão. Nunca pensei em mim, porque a meio da época até íamos bem posicionados, com uma classificação que nos permitia dizer que estávamos a realizar um excelente trabalho, mas não me preocupei comigo. Depois aconteceram vários problemas, fomos perdendo jogadores, e foi uma luta difícil até ao fim.
R – O Beira-Mar está a trabalhar para manter alguns dos melhores jogadores? Muitos estão a ser cobiçados...
RB – É bom para todos que sejam cobiçados por outros clubes. Eles têm contrato e só saem se for vantajoso para todos. É bom para eles, porque os motiva, e são esses jogadores que eu quero. Que sejam falados, que os queiram, e se possível que o Beira-Mar tenha os seus passes. Vamos com calma, sem precipitações. Não estamos parados, principalmente com aqueles que acabam contrato e estão em negociações. A nova época está a começar a mexer agora. Podemos não ter o mesmo dinheiro que outras equipas, temos consciência disso, e então há que arranjar forma de trabalhar com os recursos que temos, tentar antecipar os cenários, trabalhar programadamente, com objetivos claros e a dar passos seguros. Para mim foi importante sentir que, perante a dificuldade, por exemplo, de não ter o Kanu e o Ronny, o clube quis garantir os ordenados aos jogadores e funcionários. Isso já é um princípio de trabalho que me dá segurança, porque tenho gente que se preocupa com os compromissos que estabelece com os seus funcionários.
1 comentário:
Interessante.
E é bem melhor ler do que ouvir o nosso treinador.
Enviar um comentário